Tem gente que vai à missa. Outros fazem jejum. Uns rezam, outros choram. Mas tem um ritual, dos mais libertários e deliciosamente populares, que nenhum padre explica direito, mas todo povo entende: malhar o Judas. Meu amigo... Se existe um momento em que o brasileiro se vinga da vida sem culpa no cartório, é no Sábado de Aleluia.
Para-raios
Judas, coitado, não é mais só o traidor de Jesus, virou símbolo universal de tudo que nos ferra. É o patrão que não paga, o político que mente, aquele cliente que quer filmar Guerra nas Estrelas com o orçamento de Jaspion, a ex que some com nosso cartão. É o amigo falso, o time que perde, o preço do gás, o buraco da rua, o gerente do banco... A cada ano, o boneco muda de nome, muda de roupa, muda de alvo, mas carrega sempre a função espiritual de ser o para-raios da raiva acumulada.
Protesto
Malhar o Judas é mais do que bater em pano e palha, é bater em frustração, em desilusão, em traição emocional e até em nossos próprios erros. Tem Judas de terno e gravata, de jaleco branco, de toga, de farda, de vestido de festa. Tem Judas que se pendura na praça, que se arrasta pela rua, que explode com bomba caseira, que apanha de chinelo, vara de goiabeira ou grito de criança. Cada pancada é um grito ancestral dizendo: “não aceito calado!” É um ato de higiene emocional, uma forma rudimentar e genial de exorcismo coletivo.
Ato libertador
Filósofo que se preze devia estudar esse fenômeno com mais carinho. Porque por trás da palha e do papelão, há uma sabedoria antiga. Às vezes, o que a alma precisa não é de perdão nem de conselho, é de desabafo, e daqueles grandes, ritualizado. E nada mais libertador do que transformar a dor em boneco, e a indignação em riso. O povo não precisa entender a teologia da ressurreição pra sentir que, depois de Judas espancado, o domingo vai nascer mais leve.
E que ninguém nos roube esse direito, porque enquanto houver injustiça no mundo, haverá Judas. E enquanto houver Judas, haverá gente disposta a dizer com vara na mão: "Traidor aqui não se cria!"
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