Existe um estado psicológico peculiar que acomete homens em posições elevadas quando percebem que sua autoridade começa a escorrer pelos dedos feito sabão molhado. A esse fenômeno chamaremos, com toda licença da psicanálise e do sarcasmo, de Síndrome de Pilatos. Trata-se do impulso irreprimível de lavar as mãos, mesmo quando não há bacia. O paciente crônico da vez atende pelo nome de ministro Alexandre de Moraes, um homem que manda e desmanda no país como um semideus de toga, mas que se vê à beira de um abismo internacional, tendo que escolher entre prender ou não um ex-presidente que virou símbolo popular. Difícil saber o que pesa mais: a Constituição ou a consciência.
Eis que o império do Ocidente, outrora parceiro diplomático e hoje algoz de toga mal passada, bate à porta com um nome assustador: Lei Magnitsky. Não se trata de um xampu anticaspa russo, mas de um pacote de sanções que pode congelar ativos, limitar viagens e, sobretudo, tornar alguém persona non grata no clube dos civilizados. O ministro, que gostava de circular por Harvard, agora não pode mais nem ir ver o Mickey. É como Pilatos banido de Jerusalém, tentando lavar as mãos no deserto. E quanto mais tenta se limpar, mais sujo parece ficar.
O dilema é digno de tragédia grega, mas com roteiro de comédia pastelão: prender Bolsonaro e incendiar o país ou recuar e perder o último fiapo de autoridade? O STF virou camarim de novela, onde ministros ensaiam discursos enquanto o público pede por justiça, ou por demissão. Enquanto isso, o ministro, coçando a cabeça brilhante, deve se perguntar: “E se eu lavar as mãos e ninguém acreditar? E se a bacia for imaginária e a história não perdoar?” O dilema de Pilatos não era sobre justiça, era sobre medo. Medo de ser engolido pela escolha errada, mesmo quando todas pareciam certas.
A verdade é que a justiça, quando vira espetáculo, termina em vaia. E Pilatos, nosso togado tropical, já ouve os apupos do lado de fora da bolha. Talvez já nem durma, talvez sonhe com voos cancelados, com entrevistas internacionais, com dossiês e biografias não autorizadas. Talvez, no fundo, só queira sair dessa com o nome limpo, como se ainda houvesse sabão que o lavasse. Mas o tempo da inocência acabou, e a plateia do mundo não é mais cega. A bacia está seca. A história está de olho. E o sabão escorregou. Zé da Flauta é Músico, escritor, compositor e colunista do site PRESSÃO POLÍTICA. /
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